sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Hiena ou: O Que Eu Consigo Ver do Camarote da Sarjeta

- Eu te odeio. Você é arrogante, cínico, seco, se acha melhor que todo mundo. Você ri quando não sei o significado de algo que você diz, você me acha ignorante. Você bebe demais e isso potencializa toda sua grosseria e seu sarcasmo nocivo. Eu falo com você e você olha pra parede, suspirando de tédio. Você reclama de tudo, odeia os mínimos defeitos de pessoas que você nem ao menos conhece. Fica aí, sentado fumando esse cigarro que eu detesto, bebendo, lendo livros que só servem pra inflar sua prepotência em saber de tudo. Você liga muito pouco pro que as pessoas pensam de você, e isso me irrita. Na verdade, você não liga nada. Nem pro que eu penso de você... você não gosta de mim. O problema é que você é todo articulado com sua lábia e com isso você consegue qualquer coisa, inclusive a mim. Principalmente a mim. Você fica aí escrevendo seus poemas misantropos e quando quer falar de amor, consegue. Vai lá e me envenena. E eu morro, nos seus braços. Você me possui toda, me come e me ama, mas só da boca pra fora... faz isso com tantas outras. Mas me intriga porque você escolheu justamente a mim pra ter por perto o tempo todo. Vir morar com você. As vezes acho que nem você quer isso, e não sei porque insiste. Se não é bom pra você, imagine pra mim. Você é desrespeitoso, egoísta e paranóico com a sua privacidade. Se gosta tanto de ficar sozinho, porque não me deixa ir? Porque todo dia, depois que eu cuspo toda essa angústia que tritura minha garganta na sua cara, você não diz nada? Porque eu ainda acho que vai ser diferente? Você não tem nada pra falar?
- ...
- Diz alguma coisa, porra!
- Seus dentes são brancos demais.